quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

A Arte da Prece - Uma Antologia Ortodoxa. (Capítulo VII) Ensinamentos dos Startsi do Monastério de Valamo





 



A ARTE DA PRECE

Uma Antologia Ortodoxa
compilada pelo


Hegúmeno Chariton de Valamo


CAPÍTULO VII


ENSINAMENTOS DOS STARTSI DO
MONASTÉRIO DE VALAMO






 



Hegúmeno Chariton de Valamo[1]
(1872 – 1947)


(i) Monge Schema[2] Agapii


Igreja Central (Fundos) – Novo Monastério de Valamo - Finlândia

Prece Oral

No início a Oração de Jesus é em grande parte proferida com indisposição e constrangimento. Mas se temos uma firme intenção de subjugar todas as nossas paixões, através da oração e com a ajuda da graça divina, então com frequente prática da Oração e perseverança, na medida em que as paixões enfraquecem, a própria Oração se tornará gradualmente mais fácil e mais atrativa.
Na prece oral devemos tentar de todo modo possível manter nossa mente fixa nas palavras da oração, dizendo-as sem pressa e concentrando toda nossa atenção no significado das palavras. Quando a mente torna-se distraída pelos pensamentos estranhos, devemos desencorajá-la e trazê-la de volta para as palavras da prece.
Livrar-se da distração não é algo dado a mente rapidamente, nem sempre quando ela deseja. Ocorre quando nós primeiramente nos tornamos humildes, e quando Deus escolhe conceder esta benção para nós. Este dom divino não depende da quantidade de tempo oferecido nem do número de orações recitadas. O que é necessário é um coração humilde, a graça de Cristo, e esforço constante.
Da oração recitada com atenção passamos para a oração interna ou mental. Esta é assim chamada porque em tal oração nossa mente é varrida em direção a Deus e apenas vemos a Ele.


Oral prayer (p. 275)

In the beginning the Jesus Prayer is mostly uttered with unwill­ingness and constraint. But if we have a firm intention to subdue all our passions, through prayer and with the help of divine grace, then with frequent practice of the Prayer and perseverance, as the passions grow less, the Prayer itself will become gradually easier and more attractive.
In oral prayer we must try in every possible way to keep our mind fixed on the words of the prayer, saying it without haste and concentrating all our attention on the meaning of the words. When the mind becomes distracted by alien thoughts, we must bring it back undiscouraged to the words of the prayer.
Freedom from distraction is not given to the mind quickly, nor whenever we wish it. It comes when we have first humbled ourselves, and when God chooses to grant this blessing to us. This divine gift does not depend upon the length of time we pay or the number of prayers we recite. What is needed is a humble heart, the grace of Christ, and constant effort.
From oral prayer recited with attention we pass over to inner or mental prayer. This is so called because in such prayer our mind is swept towards God and sees Him alone.


Ícone (Fundos) – Novo Monastério de Valamo - Finlândia

Oração interna (oração da mente)        

Para praticar a oração interna é essencial manter nossa atenção no coração diante do Senhor. Em resposta ao nosso zelo e humilde esforço na oração, o Senhor presenteia nossa mente com Seu primeiro presente – o presente do recolhimento e da concentração na oração. Quando a atenção é dirigida ao Senhor sem esforço e sem interrupção, esta é uma atenção dada pela graça, já que nossa própria atenção é sempre forçada. Esta oração interna, se tudo segue bem no seu devido tempo, passa a ser oração do coração: a transição é facilmente feita desde que tenhamos um professor experimentado que nos guie. Quando os sentimentos de nosso coração estão com Deus e o amor por Deus preenche nosso coração, tal oração é chamada prece do coração.

Inner prayer (prayer of the mind) (p.276)

To practise inner prayer, it is essential to keep our attention in the heart before the Lord. In response to our zeal and humble striving in prayer, the Lord bestows upon our mind His first gift—the gift of recollection and concentration in prayer. When attention is directed towards the Lord effortlessly and without interruption, this is attention given by grace, whereas our own attention is always forced. This inner prayer, if all goes well, in due time passes into prayer of the heart: the transition is easily made, provided we have an experienced teacher to guide us. When the feelings of our heart are with God and love for God fills our heart, such prayer is called prayer of the heart.










Igreja Central – Novo Monastério de Valamo - Finlândia





Igreja Central  (Cúpula)Novo Monastério de Valamo - Finlândia

Oração do coração

Está dito nos Evangelhos: “Se alguém me quiser seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga” (Mateus xvi. 24). Quando oramos, então, primeiro devemos renunciar à nossa própria vontade e às nossas próprias idéias, e então tomar nossa cruz que é o inevitável trabalho do corpo e da alma na busca espiritual. Tendo nos entregado inteiramente para o cuidado de Deus que nunca se adormece, deveríamos alegre e humildemente suar e trabalhar, por causa da real recompensa que Deus concederá ao zeloso quando o momento certo chegar. Então Deus, transferindo Sua graça para nós, colocará um fim aos devaneios de nossa mente e a colocará – junto com a lembrança Dele – imutavelmente dentro do coração. Quando esta morada da mente no coração torna-se algo natural e constante, os Padres a chamam de ‘união da mente e do coração’. Neste estado a mente não tem mais qualquer desejo de estar fora do coração. Ao contrário, se as circunstâncias externas ou alguma longa conversa mantém a mente longe de sua atenção ao coração, ela experimenta um irresistível desejo de retornar para dentro, uma ansiada sede espiritual: seu único desejo é pôr-se a trabalhar uma vez mais com renovado zelo em construir sua casa interior.
Quando esta ordem interior é estabelecida todas as coisas em um homem passam da cabeça ao coração. Então, uma espécie de luz interior ilumina tudo que está dentro dele, e qualquer coisa que faz, diz, ou pensa, é executada com plena ciência e atenção. Ele é capaz de discernir claramente a natureza dos pensamentos, intenções e desejos que chegam até ele; ele voluntariamente submete sua mente, coração e vontade a Cristo, obedecendo ansiosamente a cada mandamento de Deus e dos Padres. Ao desviar-se deles de qualquer modo, ele expia sua falta com arrependimento sentido no coração e contrição, prostrando-se humildemente diante de Deus com sincero e real pesar, suplicando e esperando confidentemente ajuda de cima pela sua fraqueza. E Deus, vendo esta humildade, não deixa o suplicante sem Sua graça. 
A oração da mente no coração chega rapidamente para algumas pessoas, enquanto que para outras o processo é vagaroso. Assim, de três pessoas que conheço, esta oração entrou em uma, tão logo lhe foi falado a respeito, naquela mesma hora; para outra chegou num tempo de seis meses; para uma terceira depois de dez meses, enquanto que no caso de um grande staréts chegou somente após dois anos. Por quê acontece assim, só Deus sabe.
Saiba também que antes que as paixões sejam destruídas a oração é de uma espécie, e depois que o coração foi purificado das paixões ela é de outra espécie. A primeira espécie ajuda a purificar o coração das paixões, enquanto que a segunda é um símbolo espiritual da benção futura. Isto é o que você deveria fazer: quando puder sentir, de fato, a mente entrando no coração e estiver conscientemente ciente dos efeitos da oração, dê pleno poder a tal prece, banindo tudo que é hostil a ela; e tanto quanto ela continua ativa em você, não faça nada mais. Mas quando você não sentir-se arrebatado assim, pratique a prece oral com prostrações, lutando de todas as maneiras para manter sua atenção no coração diante da face do Senhor. Esta maneira de orar também capacitará o coração para adquirir calor.
Vigie e seja sóbrio, especialmente durante a oração da mente e do coração. Ninguém agrada a Deus mais do que aquele que pratica corretamente a oração da mente e do coração. Quando as circunstâncias externas tornarem a prece difícil, ou quando você não tiver tempo para orar, em tais momentos, seja lá o que estiver fazendo, lute para conservar o espírito da oração em você mesmo por todos os meios possíveis, lembrando de Deus e lutando de todos os modos para vê-Lo diante de você com os olhos da sua mente, com temor e amor. Sentindo Sua presença diante de você, entregue-se à Sua toda-poderosa força, onisciente e testemunha de tudo, em devocional submissão prostrando todas suas atividades diante dele, de tal maneira que em cada ação, palavra, e pensamento você lembre-se de Deus e Sua sagrada vontade. Isto, sendo breve, é o espírito da prece. Quem quer que tenha um amor pela oração deve, sem fracasso, possuir este espírito, e tanto quanto possível, deve submeter sua compreensão à compreensão de Deus através de constante atenção do coração, obedecendo aos mandamentos de Deus humilde e reverentemente. Do mesmo modo ele deveria submeter seus desejos e vontades à vontade de Deus, e entregar-se completamente aos desígnios da providência de Deus.  
De todas as maneiras possíveis deveríamos combater o espírito da arbitrária obstinação e o impulso que destrói todo controle. É um espírito que sussurra para nós: “Isto está além da minha força, para isto não tenho tempo, é muito cedo ainda para empreender isto, deveria esperar, minhas tarefas monásticas impedem-me” – e muitas outras desculpas de quaisquer espécies. Aquele que ouve a este espírito nunca adquirirá o hábito da prece. Estreitamente conectado com este espírito está o espírito da auto-justificativa: quando formos empurrados para a má ação pelo espírito da obstinada arbitrariedade e estivermos, portanto, preocupados pela nossa consciência, este segundo espírito aproxima-se e põe-se a trabalhar em nós. Num tal caso o espírito da auto-justificativa usa toda espécie de engambelação para derrotar a consciência e apresentar nosso erro como um acerto. Possa Deus proteger-lhe contra estes maus espíritos.

Prayer of the heart (p.276)

It is said in the Gospels: ‘If any man will come after me, let him deny himself, and take up his cross, and follow me’ (Matt. xvi. 24). When we pray, then, we must first give up our own will and our own ideas, and then take up our cross, which is the labour of body and soul that is unavoidable in this spiritual quest. Having surrendered ourselves  entirely to  the never-sleeping care of God, we should joyfully and humbly endure the sweat and labour, for the sake of the true reward God will grant to the zealous when the right time comes. Then God, imparting His grace to us, will put an end to the wanderings of our mind and will place it—together with the remembrance of Himself— immovably within the heart. When this dwelling of the mind in the heart has  become  something natural and  constant,  the Fathers call it ‘union of mind and heart’. In this state the mind has no longer any desire to be outside the heart. On the contrary, if outward circumstances or some long conversation keeps the mind away from its attention to the heart, it experiences an irresistible longing to return within, a craving and spiritual thirst: its one desire is to set to work once more with renewed zeal in building its inner house.
When this inner order is established, everything in a man passes from the head into the heart. Then a kind of inner light illumines all that is within him, and whatever he does, says, or thinks, is performed with full awareness and attention. He is able to dis­cern clearly the nature of the thoughts, intentions, and desires that come to him; he willingly submits his mind, heart, and will to Christ, eagerly obeying every commandment of God and the Fathers. Should he deviate from them in any respect, he expiates his fault with heart-felt repentance and contrition, humbly prostrating himself before God in unfeigned sorrow, begging and confidently awaiting help from above in his weakness. And God, seeing this humility, does not deprive the suppliant of His grace.
Prayer of the mind in the heart comes quickly to some people, while for others the process is slow. Thus of three people known to me, it entered into one as soon as he was told about it, in that same hour; to another it came in six months' time; to a third after ten months, while in the case of one great staretz it came only after two years. Why this happens so, God alone knows.
Know also that before the passions are destroyed prayer is of one kind, and after the heart has been purified of passions it is of another kind. The first kind helps to purify the heart of passions, while the second is a spiritual token of future bliss. This is what you should do: when you can actually feel the mind entering the heart and are consciously aware of the effects of prayer, give full sway to such a prayer, banishing all that is hostile to it; and so long as it continues active within you, do nothing else. But when you do not feel thus carried away, prac­tise oral prayer with prostrations, striving in all possible ways to keep your attention in the heart before the face of the Lord. This manner of praying will also enable the heart to acquire warmth.
Watch and be sober, and especially during the prayer of mind and heart. No one pleases God more than he who practises the prayer of mind and heart aright. When outward surroundings make prayer difficult, or when you have no time to pray, at such times, whatever you may be doing, strive to preserve the spirit of prayer in yourself by all possible means, remembering God and striving in every way to see Him before you with the eyes of your mind, in fear and love. Feeling His presence before you, surrender yourself to His almighty power, all-seeing and omniscient, in worshipful submission laying all your activities before him, in such a way that in every action, word and thought you remember God and His holy will. Such, in brief, is the spirit of prayer. Whoever has a love for prayer must without fail possess this spirit, and, as far as possible, must submit his understanding to God's understanding by means of constant attention of the heart,  humbly and reverently obeying the commands of God. In the same way he should submit his wishes and desires to God's will, and surrender himself completely to the designs of God's providence.
In all possible ways we should combat the spirit of arbitrary self-will and the impulse to shake off all restraint. It is a spirit that whispers to us: “This is beyond my strength, for that I have no time, it is too soon yet for me to undertake this, I should wait, my monastic duties prevent me”—and plenty of other excuses of like kind. He who listens to this spirit will never acquire the habit of prayer. Closely connected with this spirit is the spirit of self-justification: when we have been carried away into wrong­doing by the spirit of wilful arbitrariness and are therefore worried by our conscience, this second spirit approaches and sets to work on us. In such a case the spirit of self-justification uses all kinds of wiles to deceive the conscience and to present our wrong as being right. May God protect you against these evil spirits.




Teto da Capela de Oração – Novo Monastério de Valamo – Finlândia


(ii) Hegúmeno Varlaam


The Apostle writes: ‘For our rejoicing is this, the testimony of our conscience’ (2 Cor. i. 12). Simeon the New Theologian says: 'If our conscience is pure, we are given the prayer of mind and heart; but without a pure conscience we cannot succeed in any spiritual endeavour.'

(iii) Hegúmeno Nazarii[3]


Ícone (Interior) – Novo Monastério de Valamo - Finlândia

Com reverência invoque em segredo pelo Nome de Jesus, assim: “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tenha piedade de mim, um pecador.”
Tente fazer esta prece entrar ainda mais profundamente em sua alma e coração. Faça a oração com sua mente e pensamento, e não permita que ela deixe seus lábios mesmo por um momento. Se possível coloque-a junta com sua respiração, e com toda sua força tente, através da oração, forçar-se a uma sentida contrição no coração, arrependendo-se de seus pecados com lágrimas. Se não existem lágrimas, ao menos deveria haver contrição e pesar no coração.

With reverence call in secret upon the Name of Jesus, thus: 'Lord Jesus Christ, Son of God, have mercy upon me, a sinner.'
Try to make this prayer enter ever more deeply into your soul and heart. Pray the prayer with your mind and thought, and do not let it leave your lips even for a moment. Combine it, if possible, with your breathing, and with all your strength try through the prayer to force yourself to a heart-felt contrition, repenting over your sins with tears. If there are no tears, at least there should be contrition and mourning in the heart.


Novo Monastério de Valamo (Interior) - Finlândia




















[1] A Arte da Prece, compilação de Chariton, apareceu originalmente em Russo, publicado pelo Monastério de Valamo em 1936. Quatro anos depois esta Valamo submergiu na segunda guerra mundial. Em 3 de fevereiro de 1940 foi pesadamente bombardeada pelas tropas soviéticas, e no dia seguinte Chariton e setenta monges fugiram atravessando a neve, conseguindo refúgio no interior da Finlândia. No fim da guerra, a ilha de Valamo permaneceu dentro da fronteira da U.S.S.R, e nenhuma permissão foi dada para que fosse retomada a vida monástica ali: as construções do monastério estavam sendo usadas para campo de férias. Mas, depois de grande fadiga, os refugiados na Finlândia conseguiram restabelecer a vida da comunidade, denominando sua recém criada fundação como: ‘Novo Monastério de Valamo’, em funcionamento até os dias de hoje. (Prefácio – A Arte da Prece)
[2] Para o significado de ‘schema’ veja nota 1 no Cap. II (ii), p. 9. 
[3] Hegúmeno Nazarii (1731-1809), staréts no monastério de Sarov, enviado pelo Metropolitano (Arcebispo) Gavriil de S. Petersburgo em 1782 para assumir a direção de Valamo: ele se manteve como Abade até 1801. Ao chegar ele encontrou a comunidade num grave estado de declínio, com somente alguns monges restantes. Sob a liderança de Nazarii o número de monges rapidamente cresceu e a vida espiritual do monastério foi, uma vez mais, elevada a um nível superior.

Nenhum comentário:

Postar um comentário